A Sucessão do Patrimônio Digital: Análise do Vácuo Legislativo e das Propostas de Regulamentação

A crescente digitalização da vida social e econômica evidencia a inadequação da legislação sucessória atual, impulsionando a tramitação de Projetos de Lei que visam disciplinar a transmissão causa mortis de bens e dados virtuais.

Roberto Carlos Jr.

9/4/20253 min read

O Patrimônio Intangível e o Direito Sucessório

O instituto da herança, tradicionalmente associado à transmissão de bens corpóreos e tangíveis — como imóveis e veículos —, enfrenta um novo paradigma diante da consolidação de um vasto patrimônio digital. Este acervo, que inclui desde ativos de valor sentimental, como fotografias e perfis em redes sociais, até bens de valor econômico, como criptomoedas e milhas aéreas, carece de disciplina jurídica específica no ordenamento brasileiro.

Com o falecimento do titular, emerge uma complexa questão: a quem pertence o direito de acessar, gerenciar ou herdar esses bens digitais? A legislação sucessória vigente, concebida em um contexto pré-digital, não oferece respostas claras, criando um vácuo legislativo que resulta em insegurança jurídica para herdeiros e sobrecarrega o Poder Judiciário com litígios de crescente complexidade.

O Vácuo Legislativo e o Conflito de Interesses

Na ausência de uma lei específica, a sucessão de bens digitais é marcada por um conflito central. De um lado, posicionam-se os herdeiros, que invocam o direito à herança para preservar a memória do falecido ou para administrar ativos de valor econômico. De outro, as empresas de tecnologia, que, amparadas por seus termos de serviço, frequentemente preveem o encerramento da conta com o óbito do usuário, argumentando em favor da proteção à privacidade do titular e de terceiros.

Essa antinomia de interesses tem levado à judicialização da matéria, com decisões judiciais divergentes que buscam ponderar, caso a caso, o direito à sucessão frente aos direitos da personalidade do falecido, como a privacidade e a intimidade.

A Natureza Jurídica dos Bens Digitais para Fins Sucessórios

A doutrina jurídica tem proposto uma classificação para os bens digitais, a fim de orientar sua destinação sucessória, dividindo-os em duas categorias principais:

  • Bens de Valor Existencial ou Sentimental: Englobam acervos como fotografias, vídeos, e-mails e perfis em redes sociais, cujo valor primordial é afetivo e está ligado à memória e à personalidade do falecido. O debate jurídico nesta esfera concentra-se em determinar se o acesso irrestrito dos herdeiros poderia configurar uma violação à intimidade do de cujus.

  • Bens de Valor Patrimonial ou Econômico: Referem-se aos ativos digitais conversíveis em moeda, como criptomoedas (Bitcoin, etc.), NFTs, milhas aéreas, pontos em programas de fidelidade e saldos em contas digitais. Há um maior consenso jurídico de que tais bens integram o patrimônio econômico do falecido e, portanto, devem ser transmitidos aos herdeiros.

As Propostas Legislativas para a Regulamentação do Tema

Para solucionar o impasse, o Congresso Nacional analisa projetos de lei destinados a regulamentar a matéria. Destaca-se o Projeto de Lei nº 1.689, de 2021, que propõe a alteração do Código Civil para incluir, de forma expressa, os bens e as contas digitais no conceito de herança.

Os pontos centrais da proposta são:

  • Transmissibilidade como Regra: O projeto estabelece que perfis, contas e dados pessoais do falecido são, em regra, transmitidos aos herdeiros.

  • Faculdades do Sucessor: Ao herdeiro legal seria facultado optar pela manutenção e gerenciamento da conta, sua conversão em memorial ou a exclusão definitiva.

  • Prevalência da Vontade do Titular: O titular dos dados poderá, por meio de testamento, inclusive em formato digital com assinatura qualificada, dispor sobre o destino de seu legado. Essa manifestação de vontade prevalecerá sobre o direito do herdeiro.

  • Exclusão na Ausência de Herdeiros: Na inexistência de herdeiros ou disposição testamentária, o provedor de internet deverá promover a exclusão dos dados do falecido.

Conclusão

A regulamentação da herança digital é uma medida impositiva para a modernização do Direito Civil brasileiro, alinhando-o às realidades sociais e tecnológicas do século XXI. A aprovação de uma legislação específica trará segurança jurídica às relações sucessórias, delimitará as responsabilidades das plataformas digitais e, fundamentalmente, assegurará a autonomia do indivíduo para decidir sobre o destino de sua identidade e patrimônio digital.

Enquanto a matéria não é legislada, recomenda-se a adoção de medidas de planejamento sucessório, como a elaboração de testamento que contemple os ativos digitais, como forma de mitigar conflitos e garantir o cumprimento da vontade do titular.

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